domingo, 25 de outubro de 2009

Coqueiros acessíveis!

Adorei esses coqueiros baixinhos. Num momento em que a gente luta à beça por acessibilidade, nada como a ajudinha da mãe natureza. Esses cocos estavam totalmente à mão de quem "anda" sentado. E mais uma vantagem: impossível caírem sobre as cabeças de cadeirantes, andantes ou anões. Um mimo!

O lugar onde estive hoje é um pesque e largue (isso mesmo, destinado à pesca esportiva) muito legal e escondidinho na Ilha de Guaratiba. Lá não há exatamente acesso para cadeira de rodas (com exceção de uma rampa que vi na piscina), mas o local é todo plano e as britas que pavimentam os caminhos não me impediram de dirigir a Isabel sem ajuda. Até passar pelo gramado, limpo e bem cuidado, tirei de letra. A comida é ótima e o serviço também é muito bom.

O que enfraqueceu a foto foi essa minha falta de bronzeamento. Nem dá para acreditar que essa pupunha vestida e sobre rodas é carioca. Ô brancura!

domingo, 18 de outubro de 2009

Um Test-Drive insólito!

Eu disse num post anterior que uso cadeira de rodas motorizada desde os 8 anos de idade. Pois bem. Nesses 32 anos de "habilitação" tive umas quatro cadeiras eletrônicas diferentes. Sempre achei bobagem manter uma cadeira dessas de reserva. Tentei fazer isso uma vez e a "regra dois" acabou estragando por falta de uso. Portanto, quando dou a sorte de ainda estar com uma cadeira pifando, antes mesmo de haver perda total, trato de providenciar uma substituta.

Cada cadeira tem uma história interessante. Mas hoje vou me deter numa certa passagem da Via Crúcis que encarei até conseguir comprar a Isabel (que é o nome da atual e que me acompanha há nove anos).

Estava eu, no final do ano de 1999, indo de Seca a Meca para catar uma cadeira de rodas nova. Algumas poucas lojas já tinham o produto exposto no próprio estabelecimento, outras raras aceitavam encomendas e outras muitas nem tchuf para a coisa. Na ocasião, encontrei uma única loja de material hospitalar, aqui no Rio, que expunha uns três modelos diferentes. Perguntei se eu poderia fazer um "test-drive", lógico, e o vendedor disse gentilmente que sim. Mas ele precisava dar uma checada antes, para ver se o modelo por que me interessei estava ok.

Foi exatamente aí que começou a minha desgraça e talvez o maior mico que eu já tenha pagado em toda minha vida cadeirante (como se eu tivesse tido outra!). O amável rapaz se sentou na cadeira e começou a (tentar) se deslocar sobre ela no corredor central, único e espremido da loja. Ele não conseguiu andar sequer meio metro em linha reta. Estava dirigindo muito mal, apesar de ter sido prudente e não ter dado encontrão em nada nem em ninguém.

Imediatamente comecei a pentelhar a criatura. Disse que ele era barbeiro, que dirigir essas cadeiras era coisa para profissa, que talento não se acha em qualquer esquina, que eu poderia ser instrutora dele, blá, blá, blá. Com um sorriso meio amarelo e sempre cortês, o rapaz saiu da cadeira e deixou que a pentelha aqui a guiasse, por insistência minha, óbvio. Sentei na cadeira e meti a mão no comando, toda confiante. Nossa, que des-gra-ça! Ou o raio da cadeira estava com defeito de fábrica ou era mal projetada mesmo. O fato é que eu saí dirigindo muito mais horrorosamente do que o rapaz. Derrubei uns três pares de muletas, umas duas cadeiras de rodas e pelo menos uma cadeira higiênica. Por milagre e sorte de todos não atropelei nem machuquei ninguém. Mas fiz uma cena bizarra, como se tivesse recebido uma pombajira sendo executada em cadeira elétrica. Um desastre! E o mais impressionante: ninguém riu. Pelo contrário, o vendedor veio educadamente me resgatar do canto sem saída onde me entalei e disse que suspeitava que a cadeira estivesse com defeito. "Eu tentei avisar, mas a senhora estava tão falante...". Pedi mil desculpas até para o gerente da loja. Só que eu tive que sair empurrada de lá, literalmente.

Moral da história: todo metido-a-engraçadinho-que-adora-aparecer-tirando-onda-com-a-cara-dos-outros tem seu dia de castigo. Portanto, fiquem ligados: não existe exclusão para cadeirantes nessas ciladas!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Preconceito: um ótimo tema.

Este post tem a finalidade de procurar esclarecer (ou confundir ainda mais... sabe-se lá!?) a impressão que a leitora Júlia e talvez outros leitores tenham tido sobre mim, por conta do que escrevi no texto intitulado "Notícia bombástica" (logo abaixo deste que agora lanço aqui).

Eu fiz uma brincadeira ácida sobre a falta de atenção das pessoas. Desculpem se pareci revoltada/magoada/inconformada com minha situação. Não tive a intenção de passar isso, apesar de poder tê-lo feito sem me dar conta. Inclusive, eu e essa amiga que pagou o tal mico achamos graça do ocorrido até hoje. Meu humor rascante, por vezes meio negro, é nato e muito provavelmente não tem necessariamente a ver com minha condição física... será? Bem, vejamos:

Concordo com a leitora Júlia, quando ela diz que é preciso paciência, tolerância e amor para fazer as pessoas vencerem o preconceito delas conosco e também nosso "autopreconceito", digamos assim. Mas a gente não pode negar que o preconceito existe. E não acho justo deixar de encarar a situação com realismo. A cadeira de rodas ainda não é meramente um acessório a mais para algumas pessoas que nos veem sentados nela. Nós, humanos, somos vaidosos e isso talvez nem seja propriamente um defeito, mas é, antes de tudo, uma inerência da nossa espécie. Eu, particularmente, já me interessei por alguns homens que disseram diretamente a mim ou mandaram recado por terceiros que sentiam muito, mas não ficariam com uma mulher na minha condição física. Outros homens corresponderam ao meu interesse e aí namoramos/ficamos etc. Ainda houve os que foram a fim de mim e que eu os dispensei (poderouuuusa!).

O que eu queria que ficasse claro, meus leitores, é que eu sou totalmente a favor da luta sem revolta contra o preconceito e contra a falta de acessibilidade. Tudo bem que em algumas situações precisamos endurecer, "pero sin perder la ternura!!!". Eu nunca fui andante. Portanto, não tive a experiência de saber como eu via os cadeirantes antes de eu estar na minha condição. Agora, o que eu me sinto na obrigação de fazer é nunca perder a justa medida da realidade: ou seja, tenho sempre em mente que existiu, existe e existirá em nosso meio pessoas que nos aceitam completamente, aquelas que têm um preconceito velado ou parcial (tipo: podemos ser amigos, mas nunca namorados) e aquelas que assumem seu preconceito abertamente (o que é raro).

Faço da premissa que expus a base da minha conduta e da minha postura diante da vida. Se pecarmos por falta, no sentido de minimizarmos demais o preconceito (de uma forma bem geral), perigamos nos iludir ou deixar que também se iludam os que são alvos dele e aí permitir que todos se exponham a situações constrangedoras e dolorosas. Por outro lado, o preconceito não pode e não deve ser supervalorizado, uma vez que a aceitação É o caminho para um mundo melhor (embora esta última afirmação possa parecer piegas ou meio clichê). O segredo da superação, para mim, está no esforço para conseguir manter o equilíbrio e o bom senso dentro dessa visão ampla e imparcial da verdade.

domingo, 4 de outubro de 2009

Notícia bombástica.

Às vezes o povo esquece que a gente tem deficiência física. Não sei se isso acontece só comigo. Mas não é raro ter que, vez por outra, lembrar algumas pessoas sobre minha situação. Fico sem saber se o esquecimento é por distração ou visão além. No primeiro caso, o indivíduo ou a cidadã tem que ser bem avoadinho(a), convenhamos. No segundo caso, o da visão além, penso que algumas pessoas nos veem tão “normais” que precisam fazer um certo esforço para registrar que somos um cadim diferentes.

A mãe de uma amiga costuma falar que ela não consegue ver diferença alguma entre mim e as outras pessoas. Ela me diz: “você é tão normal...”. E acrescenta que isso chega a dar nervoso nela. Sinceramente, até hoje não sei se é para somente rir ou se é para rebater uma afirmação dessas.

Foi por causa de um desses esquecimentos que conto agora um mico pago por uma amiga que me telefonou, aflita, porque tinha uma fofoca quentíssima para me passar. Ela tascou:

- Meniiiiiiiiiiina, tenho uma notícia bombástica para te contar. Você nem vai acreditar... Olha só, se estiver em pé, senta!

Ó, céus! A doida não se ligou que minha condição física só me permite duas posições básicas, resumidamente falando, óbvio: sentada ou deitada. Ora pois! A referida amiga neeeeeeeeem se ligou no lance. No meu lance. Como eu não queria esmorecer o entusiasmo da criatura, mandei:

- Pera aí, deixa eu pegar uma cadeira... (Contei até cinco e ainda bufei, para dar a impressão real de que eu estava trocando a posição de em pé pela sentada). Pronto, agora manda a bomba!

Resolvida a questão. Deu para ter o prazer solitário de dar asas à distração da moça e de me divertir ao mesmo tempo. Fiz um espetaculozinho onde eu era palco e platéia. Meio tosco? Pouco importa. Bom mesmo foi não ter quebrado o clima. Tem mais. Houve ainda outra ironia do destino. Tudo bem que a amiga avoadinha esqueceu de minha condição física. Em compensação, lembro perfeitamente do fato até hoje, mas não consigo recordar de jeito nenhum qual era o tal babado fortíssimo. Ah... besteira, né? Afinal, era tudo detalhe mesmo... Hi hi hi.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Levanta-te e anda!

Este blog estava custando a decolar. Mas, graças ao empurrãozinho do Alessandro Fernandes, dono do Blog do Cadeirante, surge meu segundo post. Ele, que é mineiro, quer saber, por mim, a quantas anda o Rio de Janeiro para um cadeirante. A resposta vai recheada com um “causo” interessante.

Nasci com problema locomotor. Tenho uma distrofia muscular até hoje não muito bem diagnosticada e que é responsável pela perda de cerca de 80% da minha força muscular. De início eu usava carrinho para bebês. Depois que cresci mais um pouquinho, ainda andava sobre esses mesmos carrinhos, que passaram por algumas adaptações improvisadas e que funcionavam bem. Aos oito anos de idade comecei a utilizar cadeira de rodas motorizada. Nossa, foi uma festa! Mas essa passagem é assunto para outro dia.

Voltando à pergunta do Alessandro, vamos ao assunto em si. A situação de um cadeirante no Rio de Janeiro mudou deveras. Para quem está nessa vida sobre rodas há pouco tempo, ou seja, há menos de 10 ou 15 anos, talvez não faça ideia de como era trabalhoso se locomover nesta cidade. E as barreiras não eram só arquitetônicas, não. E é aí que entra o “causo”.

Eu contava uns seis ou sete anos de idade quando resolvemos ir a um cinema bacana daqui de Campo Grande, bairro onde moro. Ele se chamava Palácio de Campo Grande e tinha poltronas estofadas, de couro vermelho, e ar-condicionado. Um luxo! Havia uma escadaria na entrada (lógico, isso era elementar!) e uma roleta logo em seguida. Meus pais compraram as entradas e meu pai me levou no colo. Ao chegar na roleta, minha mãe entregou os ingressos ao roleteiro, mas o indivíduo travou a gente. Disse que a menina (eu, no caso) tinha que passar pela roleta an-dan-do. Do contrário, nada de ver o filme. E não adiantou explicar meu problema, porque o camarada estava irredutível. Minha mãe, evidentemente, rodou a baiana. Então, muito pau da vida, o funcionário acabou sendo obrigado a dar uma simples rodadinha a mais na bendita roleta e nos deixar entrar. O caso foi levado à direção do cinema, que depois fez contato conosco para pedir as devidas desculpas. Só que o mico já estava pago.

Uns seis anos se passaram e lembro da minha euforia ao visitar o Barra Shopping pela primeira vez. Parecia que o mundo tinha dado um passo de Gulliver. Inaugurado em 1981, o shopping tinha estacionamento, rampa, elevadores, calçadas rebaixadas e entrada facilitada no cinema, tudo para cadeirantes. Fora o aeroporto internacional do Rio, nenhum outro lugar que eu conhecesse na cidade estava assim, tão preparado para receber pessoas em condição semelhante à minha. Portanto, fiquei com a impressão de que o Barra Shopping foi um dos precursores da acessibilidade e da adaptação para deficientes físicos no Rio.

Hoje, raros são os grandes estabelecimentos comerciais, especialmente os shoppings, que não têm essas facilidades. Nunca mais fui barrada no cinema por uma dessas figuras com síndrome de Jesus Cristo para Lázaro: “Levanta-te e anda!”. Percebo que as pessoas estão mais acostumadas com a presença e a frequência dos cadeirantes nos lugares. Concordo que ainda há muito a ser feito e que toda barreira física ou humana deve ser denunciada. Contudo, nos tempos de outrora era bem mais dureza zanzar por aí. Havia pouquíssimos deficientes circulando pela rua. E tal qual a história do Tostines ou do ovo e da galinha, pergunto: será que a situação vem melhorando porque há mais cadeirantes nas ruas ou é justamente por haver acesso melhor que os cadeirantes estão saindo mais? That's the question!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Estreia (sem acento, como manda o Novo Acordo Ortográfico!).

Resolvi criar este blog para contar um pouco da minha vida cadeirante. O trocadilho do título dele é para dar um outro sentido a essas palavras que costumam ter significado pejorativo, coitadas. Sei que os bons entendedores já sacaram que "rampeira" se refere à minha fixação natural e compreensível pelas rampas da vida. E não tem nada a ver com comportamento reles ou grosseiro. Já "rodada" obviamente tem relação com minha necessidade indispensável de me locomover sobre rodas. E, naturalmente, não diz respeito a um passado intenso e para lá de cala-te boca ou deixa quieto.

Espero contar histórias, desabafos, micos e altas filosofias, tudo sobre rodas. Vejamos no que vai dar.